O que dizer sobre ética, num mundo competitivo ao extremo como é o mundo comercial? O que aprender e ensinar sobre o lado moral de um vendedor ou gestor de uma equipe? Me permita primeiro começar pelo que aprendi da vida. Competir com ética é o que dá de fato sentido a vitória. Ganhar roubando, não vale.
Quando eu era pequeno, meu irmão sempre brigava comigo, quando jogávamos qualquer jogo. “Oh, moleque chato”, ele dizia para minha mãe. Com o passar do tempo, quando o jogo era na rua, com amigos, e eu tentava usar o mesmo critério, era logo execrado, colocado de canto, taxado como café com leite e tudo mais. Isso me fez ver o que é a ser antiético, e logo e da maneira mais dura, aprendi que não tinha menor graça simplesmente ganhar sem respeitar as regras do jogo e especialmente, os outros.
Convivo com vendedores há 3 décadas. Sou um competidor assíduo, continuo gostando de ganhar. Mas, aprendi a respeitar o jogo, e nas vendas, se joga alto demais, às vezes. Observei que uma pessoa que vence, pode:
– Vencer junto – convencer
– Vencer sozinha – só vencer.
No primeiro caso, existe ética é portanto, respeito moral ao cliente, a empresa, ao concorrente. No segundo, existe o tal “sucesso a qualquer preço”. Não importa se o cliente vai sair satisfeito, se a empresa terá prejuízo no futuro ou retrabalhos com a venda, se o concorrente é bom também, basta atacá-lo e desconsiderar que o cliente pode não gostar desse tipo de estratégia.
No mundo das vendas para órgãos públicos, tendo trabalhado anos em grandes empresas, aprendi um jogo sujo de “dar bola” ou pagar propina para vender. Era comum em muitos segmentos em que atuei. Me lembro como hoje, em uma cia energética, numa reunião com a diretoria de TI, ouvi da boca do diretor que teríamos que dar 15% de “bola” para vencer a concorrência. Meu sócio na época disse ok, e eu fui embora, me remoendo com aquela situação. Trabalhei tanto na elaboração da melhor solução para eles, numa proposta especial, com diversos gráficos de ROI (Return of investment), e no final, a diretoria sequer leu nossa detalhada apresentação. Apenas pediram “bola”.
Decidi naquele dia que minhas vendas e as de minha equipe seriam apenas vendas de mérito. Não fecharíamos aquela venda sem mérito, com propina para quem quer que seja.
Certa vez um grande amigo, vendedor como eu, me disse: Ortega, ética é passar pela vida e percorrer um caminho em que você se orgulharia de ter que passar por ele de novo.
Um mestre de vendas deve pensar assim, como este amigo. Uma venda não vale sua alma, sua moral, sua ética. Acredite.
Sempre me lembro de uma situação em que fui ver um empreendimento imobiliário para comprar um apartamento, e o corretor ficou o tempo todo comparando o produto deles com o de um concorrente. Dizia: o nosso tem área de lazer decorada, o deles não… o nosso tem área para pets, o deles não… o nosso tem acabamento de alto padrão…. o deles nem tanto…. etc.
Ao sair do plantão de vendas dele, fui imediatamente ver o do concorrente e comprovar se era ou não verdade. Eu nem ia buscar este concorrente específico caso este corretor não tivesse ficado o tempo todo repetindo a estratégia, a meu ver antiética, de apontar defeitos nos seus competidores.
Aprendi nos primeiros cursos de vendas que fiz, que precisávamos “induzir” o cliente a comprar. Tínhamos até técnicas para isso, como a técnica do “sim” consecutivo. Façam perguntas que a resposta do cliente sempre será sim, e tentem obter um sim numa pergunta de fechamento da venda.
O senhor quer o melhor resultado? Quer o conforto para sua família? Quer economizar e ter o melhor custo-benefício? Vamos aproveitar essa oportunidade agora?
Não vou dizer que isso não funciona. Funciona, porque é uma espécie de engrama cerebral ou indução mesmo. Mas, eu seria incapaz de usar esta artimanha hoje e a um tempo atrás, pela incongruência desta técnica com o que prego para meus alunos e participantes de treinamentos.
Se a outra pessoa, depois de fechar, não tiver plena convicção de que fez um grande negócio, certamente, não ficará satisfeita ou até se sentirá enganada. Perderei novas vendas possíveis para ela. Então para vender uma única vez, é melhor não vender.
E você, pensa assim? Perderia uma venda para não perder um cliente?
Um gerente de vendas que tive me contou que na Oesp, Grupo Estado de São Paulo, páginas amarelas, tinham lá um vendedor, há muitos anos atrás, que fez um carimbo, sem autorização da empresa, obviamente, em que ele colocava o primeiro nome dele…. (seguido de) ….PORMES.
Todos pensavam que o nome dele era “FULANO PORMES”. Mas na verdade, o pormes era uma falcatrua que ele usava para o cliente assinar um contrato mensal, pois PORMES, virava POR MÊS.
Maldita criatividade, nesse e em tantos outros casos.
Prefiro acreditar que vendedores assim sumirão do mercado em pouco tempo, afinal, o cliente de hoje não dá mais espaço para gente enganadora e antiética. Mas, certamente, este é mais um sonho do que uma realidade. Com as vendas digitais é impressionante o número de gente criativa e do mal, construindo novos modelos de marketing para enganar clientes. Crimes digitais já beiram o absurdo de mais de 2 milhões de consumidores lesados, segundo a delegacia de crimes digitais do estado de São Paulo, em 2019. Obtive essa informação porque fui vítima de uma fraude recentemente. E pensar que ensino o quão é importante e custoso conquistar clientes, para perdê-los em um instante. Será que as pessoas que praticam fraudes ou vendedores que induzem clientes com técnicas de comunicação, são diferentes? Eu os coloco na mesma cesta. Para mim, são pessoas que pensam no “sucesso a qualquer preço” e não se orgulhariam do caminho que percorreram. Não existe meia ética. Não existe meio roubo. Roubou, enganou, sonegou, pagou propina, mesmo que seja pouco, cometeu um crime e no mínimo, foi antiético.
Logo, quando se trata de ética, a questão é mais séria. Precisamos criar filhos vendedores. Isso mesmo. Se você tem filhos, sabe que educação pressupõe valores morais e éticos. Aquilo que ensinamos para a formação do caráter de nossos filhos.
Quando somos líderes neste mundo corporativo, precisamos educar nossos vendedores com os melhores princípios e valores, mesmo que sejam profissionais que não criamos. As empresas são centros formadores de crenças e valores, como as igrejas, as escolas, universidades, etc. É compromisso de um mestre falar de ética em vendas, que aliás, é um tema pouco e muito mal tratado entre vendedores, que muitas vezes são antiéticos com suas próprias marcas e empresas. É comum um vendedor atacar outros departamentos da empresa como forma de se defenderem de reclamações do cliente. É comum vendedores serem desleais com colegas que iniciaram a venda com um determinado cliente, que por sua vez, não foi fiel e não apontou o esforço do primeiro vendedor ao lhe mostrar um produto ou serviço antes que o vendedor esperto tirasse o pedido dele.
É comum a falta de seriedade de revendedores em adulterar produtos, lojas, formato de serviços de uma marca famosa em que são franqueados ou autorizados. E o mais triste, é comum ver lideres ensinando como praticar pequenos delitos para vencer a concorrência, com menor qualidade e com políticas que contrapõem a filosofia e os valores da empresa que representam.
Utopia? Não… falo com evidências em cada uma das situações, e que por fatores éticos, não vou expor empresas nem pessoas aqui. Mas apenas reflita.
Como líder ou como vendedor, você percorreria o caminho que fez de novo, e se orgulharia? Então conte como foi o percurso, mostre seus valores e fale de ética com seus colegas. Isso é mudar o mundo das vendas, dando fim a uma visão histórica de que, nós vendedores só queremos levar vantagens, enganar, usar de papo de vendedor para ludibriar os outros.
Ética, esse é o papo de vendas que precisamos propagar.